sábado, 15 de março de 2014

A ESPANHA BIPOLAR
 Evangelizando em um contexto de extremos.

Se costuma dizer que na Espanha uma pessoa tem que escolher entre o Real Madrid e o Barcelona, a direita política ou a esquerda, aplaudir as classes nobres ou ser um anarquista, seguir a igreja Católica ou o ateísmo. Se diz que quem não se define é diplomático (uma forma popular de chamar alguém de falso), estrangeiro, inseguro e essas características não representam o verdadeiro espanhol.

O evangelismo significa entrar na intimidade da pessoa e sem conhecer o caráter geral que move os diálogos e pensamentos do povo espanhol, muitas vezes quando pensamos que estamos evangelizando, na verdade somente estamos alimentando a característica especulativa de um povo que segundo John Mackay, em seu livro “O outro Cristo espanhol”, se diverte debatendo sem nunca chegar a uma conclusão.

A bipolaridade espanhola representa o raciocínio e sentimento geral da nação.

A imagem que se deseja apresentar ao mundo é de grandeza, riqueza, poder e glamour. As grandes cidades, seus grandes edifícios, sua casa real, seus grandes artistas e esportistas e principalmente o orgulho de uma história que não sempre coincide com o que se conta no exterior, são alguns dos pratos prediletos dessa imagem que enche a boca de cada cidadão em suas discussões, valorizando àquele que tem mais informação ou conhecimento ou simplesmente um dado desconhecido pelos companheiros de debate, ainda que seja na hora do lanche antes do almoço, algo tipicamente espanhol. Ao conhecer mais profundamente os costumes, a impressão de conflito e irritação que o espanhol passa se desvanece e aparece um caráter questionador e até divertido, onde se pode desenvolver boas amizades.

Essa imagem glamorosa está representada pelas famílias reais e a chamada nobreza,  originadas historicamente a partir de acordos imperialistas, concedendo territórios e riquezas a partir da opressão ao povo. O sistema político, não somente espanhol, mas também europeu, favorece e serve a essas classes engordadas pelos banqueiros, grandes empresários e políticos de muita tradição, pois não se vota no candidato e sim em uma lista elaborada por um secretário geral ou presidente de partido, onde pessoas são escolhidos para preencher os cargos sem necessariamente representar uma cidade ou sequer um bairro e muito menos estar preparado quanto a estudos ou experiência para desempenhar alguma função pública. Esses políticos podem ser eternizados em suas funções, desde que seu partido tenha maioria, chegando a ser presidente de uma região ou prefeito por 10, 20 ou mais anos.

Na outra ponta encontramos uma população obreira, bastante pobre se comparamos com a imagem de riqueza européia, submetidos a seguir os mais nobres ou simplesmente desejosos de ser nomeados para algo especial. Os artistas e esportistas, que em outros países podem alcançar a “nobreza social”, em Espanha podem chegar a ser grandes, mas se vem de classes obreiras, serão sempre considerados obreiros, ao menos que se case com um nobre.

As grandes cidades acumulam a maior parte da população, mas o coração do povo não está necessariamente onde vive, e sim de onde vem sua família e tradição. Na demografia espanhola,  95% das cidades e povoados (distritos) tem menos de 10 mil habitantes e nessas pequenas povoações está o verdadeiro coração espanhol. Daí vem sua cultura, seus costumes e principalmente sua tradição religiosa. Ainda que vivam em Madri e Barcelona, sua festa predileta (a tradição espanhola se mantém através de festas religiosas), sua comida tradicional, seu santo de devoção e seu partido político se devem mais às suas origens que à grande cidade.

Para que essa estrutura se mantenha, a religião é fundamental. As igrejas cristãs sempre representaram o Reino de Deus e tudo o que se pregava nelas se transformava na voz dos céus para os cidadãos. Ainda que o ateísmo esteja francamente em crescimento, as pessoas alimentam confortavelmente em seus corações uma forma de ateísmo pessoal vinculado a uma religiosidade cultural e supersticiosa, isto é, crêem em forças sobrenaturais, mas essencialmente não crêem no Deus dos cristãos, ainda que sigam a tradição de seu povo, o catolicismo. Em resumo, são católicos, mas se reservam ao direito de não crer no que a igreja prega e sim submeter-se a seu poder por causa da tradição e principalmente por medo supersticioso. Daí vem uma frase muito conhecida: “No creo en las brujas, pero que las hay, las hay!¨.

Eliminar a religião católica da mente de um espanhol pode significar, em seu inconsciente, que estamos tocando em uma história e estrutura social estratificada há séculos. Seria como se estivéssemos desmontando a nação (A isso poderíamos incluir o touro, o vinho, o cigarro e para muitos, os clubs de alterne, onde se encontra a prostituição). No entanto essa é uma visão historicamente implantada, especialmente porque a maior parte da tradição religiosa nacional foi reescrita ou reinterpretada pelo governo ditatorial do General Franco, quando proibia certos costumes e obrigava a outros. É como se a nação tivesse sido submetida a uma lavagem cerebral e nos últimos 30 anos está se liberando lentamente dessa opressão religioso-cultural, mas sempre protegendo seu rei e sua religião.

Quando estamos evangelizando, não é raro que nos perguntem se somos católicos ou, ao dizer que somos cristãos, em que parecemos com os católicos. Com essas perguntas estão tentando enquadrar-nos nos seus pressupostos históricos e culturais.

Como evangelizar nesse contexto? Crendo que o Senhor, em Seu poder sobrenatural e soberano, pode intervir nessa história, mudar os corações e salvar a esse querido povo.


Para isso estão os missionários, para auxiliar a igreja autóctone a se fortalecer, trabalhando muito e aguardando o tempo de Deus, como passou em países como o Brasil. 

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