A ESPANHA BIPOLAR
Evangelizando em um contexto de extremos.
Se costuma dizer que na Espanha uma
pessoa tem que escolher entre o Real Madrid e o Barcelona, a direita política
ou a esquerda, aplaudir as classes nobres ou ser um anarquista, seguir a igreja
Católica ou o ateísmo. Se diz que quem não se define é diplomático (uma forma
popular de chamar alguém de falso), estrangeiro, inseguro e essas
características não representam o verdadeiro espanhol.
O evangelismo significa entrar na
intimidade da pessoa e sem conhecer o caráter geral que move os diálogos e
pensamentos do povo espanhol, muitas vezes quando pensamos que estamos
evangelizando, na verdade somente estamos alimentando a característica
especulativa de um povo que segundo John Mackay, em seu livro “O outro Cristo
espanhol”, se diverte debatendo sem nunca chegar a uma conclusão.
A bipolaridade espanhola representa
o raciocínio e sentimento geral da nação.
A imagem que se deseja apresentar ao
mundo é de grandeza, riqueza, poder e glamour. As grandes cidades, seus grandes
edifícios, sua casa real, seus grandes artistas e esportistas e principalmente
o orgulho de uma história que não sempre coincide com o que se conta no
exterior, são alguns dos pratos prediletos dessa imagem que enche a boca de
cada cidadão em suas discussões, valorizando àquele que tem mais informação ou
conhecimento ou simplesmente um dado desconhecido pelos companheiros de debate,
ainda que seja na hora do lanche antes do almoço, algo tipicamente espanhol. Ao
conhecer mais profundamente os costumes, a impressão de conflito e irritação
que o espanhol passa se desvanece e aparece um caráter questionador e até
divertido, onde se pode desenvolver boas amizades.
Essa imagem glamorosa está
representada pelas famílias reais e a chamada nobreza, originadas historicamente a partir de acordos
imperialistas, concedendo territórios e riquezas a partir da opressão ao povo.
O sistema político, não somente espanhol, mas também europeu, favorece e serve
a essas classes engordadas pelos banqueiros, grandes empresários e políticos de
muita tradição, pois não se vota no candidato e sim em uma lista elaborada por
um secretário geral ou presidente de partido, onde pessoas são escolhidos para
preencher os cargos sem necessariamente representar uma cidade ou sequer um
bairro e muito menos estar preparado quanto a estudos ou experiência para
desempenhar alguma função pública. Esses políticos podem ser eternizados em
suas funções, desde que seu partido tenha maioria, chegando a ser presidente de
uma região ou prefeito por 10, 20 ou mais anos.
Na outra ponta encontramos uma
população obreira, bastante pobre se comparamos com a imagem de riqueza
européia, submetidos a seguir os mais nobres ou simplesmente desejosos de ser
nomeados para algo especial. Os artistas e esportistas, que em outros países
podem alcançar a “nobreza social”, em Espanha podem chegar a ser grandes, mas
se vem de classes obreiras, serão sempre considerados obreiros, ao menos que se
case com um nobre.
As grandes cidades acumulam a maior
parte da população, mas o coração do povo não está necessariamente onde vive, e
sim de onde vem sua família e tradição. Na demografia espanhola, 95% das cidades e povoados (distritos) tem
menos de 10 mil habitantes e nessas pequenas povoações está o verdadeiro
coração espanhol. Daí vem sua cultura, seus costumes e principalmente sua
tradição religiosa. Ainda que vivam em Madri e Barcelona, sua festa predileta
(a tradição espanhola se mantém através de festas religiosas), sua comida
tradicional, seu santo de devoção e seu partido político se devem mais às suas
origens que à grande cidade.
Para que essa estrutura se mantenha,
a religião é fundamental. As igrejas cristãs sempre representaram o Reino de Deus
e tudo o que se pregava nelas se transformava na voz dos céus para os cidadãos.
Ainda que o ateísmo esteja francamente em crescimento, as pessoas alimentam
confortavelmente em seus corações uma forma de ateísmo pessoal vinculado a uma
religiosidade cultural e supersticiosa, isto é, crêem em forças sobrenaturais,
mas essencialmente não crêem no Deus dos cristãos, ainda que sigam a tradição
de seu povo, o catolicismo. Em resumo, são católicos, mas se reservam ao
direito de não crer no que a igreja prega e sim submeter-se a seu poder por
causa da tradição e principalmente por medo supersticioso. Daí vem uma
frase muito conhecida: “No creo en las brujas, pero que las hay, las hay!¨.
Eliminar a religião católica da
mente de um espanhol pode significar, em seu inconsciente, que estamos tocando
em uma história e estrutura social estratificada há séculos. Seria como se
estivéssemos desmontando a nação (A isso poderíamos incluir o touro, o vinho, o
cigarro e para muitos, os clubs de alterne, onde se encontra a prostituição).
No entanto essa é uma visão historicamente implantada, especialmente porque a
maior parte da tradição religiosa nacional foi reescrita ou reinterpretada pelo
governo ditatorial do General Franco, quando proibia certos costumes e obrigava
a outros. É como se a nação tivesse sido submetida a uma lavagem cerebral e nos
últimos 30 anos está se liberando lentamente dessa opressão religioso-cultural,
mas sempre protegendo seu rei e sua religião.
Quando estamos evangelizando, não é
raro que nos perguntem se somos católicos ou, ao dizer que somos cristãos, em
que parecemos com os católicos. Com essas perguntas estão tentando
enquadrar-nos nos seus pressupostos históricos e culturais.
Como evangelizar nesse contexto?
Crendo que o Senhor, em Seu poder sobrenatural e soberano, pode intervir nessa
história, mudar os corações e salvar a esse querido povo.
Para isso estão os missionários,
para auxiliar a igreja autóctone a se fortalecer, trabalhando muito e
aguardando o tempo de Deus, como passou em países como o Brasil.
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