sábado, 15 de março de 2014

ESPANHA: POR AQUÍ PASSOU A HUMANIDADE
Evangelizando em um contexto histórico de dor, sangue e decepção.

Magacela é um pequeno povoado com um pouco mais de 550 habitantes, situado a 15 km de nossa cidade, Don Benito, onde se podem encontrar registros pré-históricos, ruínas romanas e medievais. Há algum tempo quando levamos o pastor Carlos Del Pino e sua esposa Rosa a conhecer esse tão interessante lugar, o pastor o definiu com a frase “por aqui passou a humanidade”.

Realmente essa seria uma excelente definição não somente para nossa região, mas para a Espanha em sua totalidade. Existem registros pré-históricos na província de Cádiz, ao sul, que se reputam com um dos mais antigos do mundo, enquanto que se pode encontrar em Madri, Barcelona ou Valencia algumas das construções mais modernas do planeta.

Em Espanha somente as populações pré-históricas são consideradas realmente nativas, pois a partir de então a península ibérica passou a ser alvo de invasões, desde os povos centro europeus durante os séculos antes de Cristo, até os romanos nos primeiros séculos depois de Cristo, seguidos pelos visigodos e posteriormente pelos árabes, até a reconquista no final do século 15.

Inclusive Paulo, ainda no primeiro século, coloca a Espanha como uma meta para suas visitas missionárias e atualmente, tanto pelo clamor evangelístico como estrategicamente para alcançar o norte da África, nosso país se apresenta como um grande desafio missionário.

A esses dados históricos se acrescentam os fatores políticos imperialistas, dos quais a Espanha foi vitima e algoz, dependendo do momento histórico. América, norte da África e Filipinas são as principais vítimas dessa política espanhola, enquanto que os árabes e os centro-europeus seriam os principais adversários históricos.

Os grandes conflitos históricos espanhóis dos últimos séculos sempre estiveram na sombra das religiões, o que definiu seu caráter religioso e muito de sua cultura atual. Um espanhol típico é grato aos chamados reis católicos, que com o apoio do exterior promoveram a reconquista do território espanhol, dominado pelos árabes muçulmanos por quase 800 anos. Nesse longo período, os cristãos, que haviam sido abandonados pelo império romano, foram submetidos a uma realidade de três culturas, pois além dos muçulmanos, os judeus também se instalaram e se multiplicaram na península durante esse período.

Os reis católicos promoveram uma limpeza religiosa durante os séculos seguintes, utilizando-se da inquisição para matar ou expulsar os judeus e posteriormente os protestantes. Paralelamente invadiram a América com a cruz católica adiante, oprimindo através de uma conversão forçada aos primeiros habitantes do continente americano (sob o preço da morte ou da escravidão), criando assim um conceito claramente presente no inconsciente coletivo espanhol, de que o cristianismo é sanguinário e imperialista. Se acrescenta a esse sentimento uma ditadura cruel em meio ao século 20, que durante quarenta anos vinculou o poder político e o conceito de “espanhol legítimo” ao catolicismo, chamado de “nacional catolicismo”.

Essa história propiciou a formação de um caráter pessoal intimista, claramente demonstrado pela arquitetura cotidiana, onde as casas são desenhadas de tal forma que a área de convivência e lazer estão completamente protegidas dos vizinhos e as cafeterias ou bares são o lugar de encontro social, pois é raro que alguém convide inclusive a seus amigos a tomar um café em casa.

Mais além do protecionismo da individualidade está a decepção com cristianismo. Se por um lado se consideram católicos, como um bom espanhol, rejeitam a “igreja” e seu poder, sua mensagem, seus ritos e principalmente suas crenças, consideradas chantagistas por falar de um deus e um cristo que na verdade não passavam de um instrumento de manipulação e justificação para verdadeiros “crimes contra a humanidade”.

Em fim, quando saímos para evangelizar, nos encontramos com esses sentimentos contraditórios e como protestantes, somos considerados representantes de uma religião estrangeira.

São duros! Não creio que seja uma definição legítima sobre o espanhol, pois são acessíveis e amigos. Melhor se disséssemos que “viram coisas muito feias” ao longo da história, principalmente no cristianismo.


Com tudo isso, deveríamos concluir que ser missionário na Espanha é ser consciente de que uma mensagem deve estar acompanhada de uma vida, de um testemunho ao longo dos anos e da certeza de que o nosso Deus e pai do Senhor e Salvador Jesus Cristo intervém na história por onde passa a humanidade. 

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